quarta-feira, 17 de agosto de 2011

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE UMA CIVILIZAÇÃO



Meus queridos leitores, eis-me a divagar sobre um tema insólito, muito bem explorado pelo gênio de Machado de Assis, e que imito e não me limito apenas ao tema, mas copio também o estilo narrativo do mestre das letras.

Em seu livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas", Machado de Assis emprega uma técnica narrativa “sui generis”, inicia as memórias pela morte, fugindo do uso vulgar de começar pelo nascimento. E, para começar, ele dá um breve espaço ao defunto autor que, antes do capítulo inicial, afirma que escreveu suas memórias com a pena da galhofa e a tinta da melancolia. E não será outro o meu estilo, amável e paciente leitor, para narrar estas memórias de uma civilização afogada, de que falo no título.

Dito isto, e copiando o mestre, afirmo que expiramos há mais de 10.000 anos, quando a ilha que restara do grande continente em que habitávamos, desapareceu no fundo do Oceano Atlântico. Lembro-me que, assim como nos dias de hoje, alimentávamos a pretensão de que éramos controladores da natureza, e dela poderíamos usurpar o que bem entendêssemos.

Não me recordo a que horas, mas não estaria mentindo, talvez, enganando-me, se seguisse o defunto Brás Cubas, e indicasse para o nosso naufrágio, a “causa mortis” da civilização atlante, as mesmas duas horas da tarde de uma sexta-feira. Eu não me recordo que idade tinha, mas isto pouco importa, se naufraguei com ela, e despertei livre dela, numa encarnação seguinte.

Morremos afogados, no atestado de óbito planetário, mas, a verdadeira causa da morte foi uma triste empáfia da civilização que julgava ter descoberto a fórmula de dobrar o poder divino às suas vaidades e mazelas. Assim como acontece nos dias de hoje, os atlantes confiavam na sua ciência para conquistar o universo.

Brás Cubas morreu menos de pneumonia do que de uma idéia grandiosa, e o mesmo aconteceu com a civilização atlante, retirando a pneumonia e deixando somente a idéia. Num certo momento da história da nossa civilização, pendurou-se uma idéia no trapézio do circo em que havia sido transformada a progressista civilização atlante.

Uma vez pendurada, assim como a idéia de Brás Cubas, ela começou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas, até que, num determinado momento, ela deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até a forma de um grande X: decifra-me ou devoro-te.

Essa idéia não era um emplasto, anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade, mas era quase a mesma coisa, sem as caixinhas de remédio. A civilização julgou ter encontrado a solução para todos os males humanos, desprezando o poder que fugisse das mãos humanas, para só valorizar e exaltar a glória científica.

Meus atentos leitores, eu vos confesso que não me orgulho nem me constranjo por extrair de Brás Cubas a afirmação de um tio seu, um cônego, que dizia convicto que o amor à glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a glória eterna. Outro tio, oficial de infantaria, retorquia que o amor à glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, a sua mais genuína feição.

Não contradigo nem um nem outro, pois a morte da nossa civilização se deu com a confirmação de ambas as afirmações. A pretensão à glória foi causa verdadeiramente humana que arrastou toda a civilização atlante a se render à glória eterna, de um poder superior que traça os rumos da evolução cósmica.

Deus te livre, meu leitor, de uma idéia fixa, antes uma trave no olho. Era fixa a idéia da civilização atlante que tudo podia acima do destino, que, se existisse de fato, não passava de um servo da vontade humana. E, assim como pedia Brás Cubas, na sua sabedoria de autor defunto, que tu não fiques a me torcer o nariz, caro leitor.

Retifica o teu nariz, exigente leitor, e tornemos ao nosso emplasto, que, diferente do de Brás Cubas, não matou de pneumonia um só indivíduo, mas acabou com toda uma civilização e afundou um continente.

À semelhança de Brás Cubas, que recebeu um golpe de ar, quando se ocupava de apurar a sua invenção, a civilização atlante recebeu um golpe, não só de ar, mas também, e principalmente, do mar. Lá se foi para o fundo do oceano, a idéia da glória de quem se julgou maior que o Criador, almejando pelo mental, desprovido do espiritual, recriar o planeta, e quiçá o universo inteiro.

E por que te conto isto, meu curioso leitor? E por que menciono o emplasto do Brás Cubas, e as suas memórias póstumas? E o que isto tem a ver com o desaparecimento da Atlântida? Vaidades, meu modesto leitor, vaidades!

Assim como Brás Cubas pretendia resolver um problema crônico da humanidade, a eterna melancolia, a civilização atlante tinha a pretensão de solucionar a mesma fraqueza, não com emplasto, mas com magias e obsessões, mexendo com energias mais proibitivas do que as maçãs do Paraíso.

Brás Cubas sofreu um golpe de ar. A civilização atlante, um golpe do mar. Brás Cubas foi para baixo da terra. A Atlântida para o fundo do mar. Agora, tu percebeste a relação, atento leitor?

Ah, e como dizia o tio cônego de Brás Cubas, tudo por amor à glória! Ou será que mais do que almejar a glória, a nossa civilização afundada ambicionou a glória eterna? E na ingenuidade humana, a ela foi conduzida, sem convites e sem recomendações.

Na véspera, a expansão da ciência e os planos de dominar o universo. No dia, o naufrágio. No dia seguinte, um novo oceano, ocupando o espaço, onde antes habitavam os pretensos senhores do mundo.

Nem Brás Cubas curou o mundo com o seu emplasto contra a melancolia humana, pois morreu antes, de um golpe de ar. Nem a civilização atlante erradicou a melancolia terrestre com poções mágicas e feitiçarias. Ambos se foram e nos deixaram suas memórias. Brás Cubas contou com a pena e o estilo do grande Machado de Assis. A Atlântida, representada aqui por um mero náufrago, dentre os muitos que nela habitavam, faz um simples e humilde paralelo com o gênio literário de Machado de Assis.

Crede descrentes leitores que, muitos de nós temos histórias para contar, bem semelhantes à de Brás Cubas. Se não fosse a amnésia que sofremos a cada encarnação, muitos de nós poderíamos relatar momentos de euforia e pavor, vividos naqueles tempos idos, quando o homem, como está repetindo-se agora, busca a glória passageira, desprezando a eterna.

O tio cônego de Brás Cubas tinha toda a razão. Sábio cônego! O tio general só confirma o que ainda assistimos nos dias de hoje, com a política militarista de cultuar a glória invadindo territórios e matando povos a tiros ou pela fome.

Eu fico a me perguntar, será que teremos de passar por tudo aquilo outra vez? Na certa, Brás Cubas, se reencarnasse entre nós, não teria a mesma pretensão de fabricar uma pomada que curasse os males do mundo. Mas, a civilização corre sério risco de se afogar novamente.

Decifra-me ou devoro-te, a pergunta fica no ar. A ti, meu impulsivo leitor, eu convido a decifrar o enigma. Mas, cuidado, muito cuidado, para não seres devorado.

2 comentários:

  1. Gilberto irmão,

    MARAVILHOSA e profunda reflexão....
    É muito difícil decifrar uma mente humana, quanto mais de uma civilização, mas uma coisa te digo, diante de tantos disparates que estamos vendo ultimamente, o caminho para um novo naufrágio esta cada vez mais próximo.

    Digo isto porque acredito muito em ciclos de vida, e nosso Universo assim como nosso amado planeta sempre passam por seus momentos cíclicos, e como tudo está interligado a transformação precisa acontecer, principalmente com todos os espíritos que são afetados com estas mudanças....no nosso Universo nada se perde, tudo se transforma, e procuro em meu interior acreditar que estas transformações são sempre para o melhor.

    Um grande abraço de Luz!!!

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  2. Minha irmã Lú, que boa surpresa!
    Pois é, minha amiga, as transformações já estão acontecendo há muito tempo, mas a vida prossegue como se nada fosse.
    Na Atlântida também era assim, até que veio o dia seguinte. O dia seguinte tarda, mas não falha.
    Daí porque escrevi este texto, como se já tivesse vindo.
    O ciclo está chegando ao fim, o processo está sendo doloroso para toda a humanidade. Mas, as pessoas disfarçam a dor que sentem. Todos estão sofrendo, mas não entregam os pontos.
    Um novo tempo já está surgindo. Muitos já estão vivendo esse novo tempo. A maioria, porém, ainda não se deu conta disso.
    A vida continua. A Terra é linda. E a humanidade é divina, só que a maioria não sabe disso.
    É uma pena!
    Abraços.
    Gilberto.

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